Município exemplifica como a aplicação de políticas integradas pode transformar a qualidade de vida dos pequenos munícipes
Há 35 anos, a Convenção sobre os Direitos da Criança foi adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, representando um marco global na proteção dos direitos infantis. Ratificada por 196 países, incluindo o Brasil em 1990, a Convenção definiu princípios fundamentais para garantir o bem-estar, a dignidade e o desenvolvimento pleno das crianças. No mesmo ano, o Brasil promulgou o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), alinhando suas leis às diretrizes da ONU. Três décadas e meia depois, municípios como Jundiaí, em São Paulo, demonstram como a aplicação prática desses princípios pode transformar realidades.
Conhecida como Cidade das Crianças, Jundiaí implementou políticas públicas intersetoriais que são referência nacional e internacional. De acordo com Marcelo Peroni, gestor de cultura do município e coordenador da Rede Brasileira de Cidades das Crianças, o município é um exemplo vivo de como transformar os ideais da Convenção em ações concretas. “Jundiaí consegue demonstrar na prática porque a política da infância foi prioritária nos últimos oito anos e porque os nossos eixos vêm diretamente extraídos da Declaração dos Direitos da Criança”, explica.
O programa Cidade das Crianças é baseado em oito pilares fundamentais, que incluem o direito de brincar, o direito à educação e a escuta ativa das crianças. Entre os exemplos mais emblemáticos está o Comitê das Crianças, criado em 2019. O comitê é composto por 25 crianças que participam do planejamento urbano, representando diferentes regiões da cidade e crianças com deficiência. Essa escuta ativa é essencial para garantir que as políticas públicas atendam, de fato, às necessidades dos pequenos cidadãos.
“A criação do Comitê das Crianças é uma das principais políticas porque vem, justamente, para atender o que a Declaração pede, que toda criança tenha o direito de ser ouvida e que ela participe quando o assunto diz respeito à vida dela. Então, o Comitê das Crianças, o Comitê Hospitalar, depois o Comitê Jovem, são fruto da política a partir dessa ótica de que o direito da criança tem que ser garantido, com o direito de escuta. O Mundo das Crianças é resultado disso: as brincadeiras presentes em tantas praças e em tantos lugares são resultado disso”, exemplifica Peroni, citando o famoso parque infantil inaugurado em 2020 e que atrai visitantes de municípios vizinhos e até da capital.
Outra iniciativa de destaque é o programa “Ruas de Brincar”, que transforma vias públicas em espaços de lazer aos domingos e feriados. Essa ação não apenas resgata brincadeiras tradicionais, mas também promove a convivência intergeracional e a autonomia das crianças em espaços urbanos. Em 2023, Jundiaí deu mais um passo à frente ao instituir o “Dia do Brincar”, garantindo um dia no calendário oficial em que o brincar livre é incentivado em escolas, espaços públicos e empresas da cidade.
Infraestrutura voltada para as infâncias Jundiaí também investiu em espaços inovadores, como as Áreas da Infância, projetadas com base nas sugestões das crianças do Comitê. Esses locais combinam equipamentos públicos de referência com áreas verdes e urbanismo tático, promovendo segurança viária e mobilidade sustentável. A cidade já conta com quatro dessas áreas, incluindo a Fábrica das Infâncias Japy, que abriga o conceito de Parques Naturalizados — espaços que substituem brinquedos estruturados por elementos naturais, incentivando a criatividade e o contato com a natureza.Nas escolas municipais, o conceito de Parques Naturalizados foi integrado ao programa Escola Inovadora, promovendo o "desemparedamento” da escola e a criação de ambientes que estimulam a interação e o desenvolvimento motor.
Além disso, Jundiaí implementou o Receituário Lúdico, iniciativa que une saúde e lazer. Durante as consultas, pediatras da rede municipal recomendam atividades como brincar ao ar livre, reduzir o uso de telas e explorar a natureza, reforçando o papel da família na promoção do bem-estar infantil.
O município também integra a rede internacional Urban95, que promove o planejamento urbano sob a perspectiva de crianças pequenas. “Quando a gente
garante que os espaços públicos sejam mais preparados para a criança brincar, conquistamos muito benefícios que vieram a partir da escolha dessa política pública”, afirma o gestor.
Reconhecimento nacional e internacional O comprometimento de Jundiaí com a infância ganhou visibilidade nacional e internacional. Em março de 2023, o município sediou o 1º Encontro Brasileiro de Cidades das Crianças e o Fórum Internacional das Infâncias, com a presença de especialistas renomados, como o pedagogo italiano Francesco Tonucci. Durante o evento, foi criada a Rede Brasileira de Cidades das Crianças, com Jundiaí como sede e referência para outros municípios interessados em adotar práticas similares.
Na segunda edição do encontro, realizada em agosto de 2024, representantes de mais de 108 municípios brasileiros e seis países participaram de visitas técnicas, mesas-redondas e debates sobre temas como autonomia infantil, brincadeiras e os impactos das telas.
Os avanços da cidade mostram que políticas públicas planejadas e integradas podem ser transformadoras. A cidade conseguiu alinhar desenvolvimento urbano, educação, saúde e lazer em torno de um objetivo comum: garantir os direitos das crianças.
Com exemplos como Jundiaí, fica claro que o Brasil tem o potencial de ser uma referência global em políticas públicas para a infância. A celebração dos 35 anos da Convenção sobre os Direitos da Criança é uma oportunidade para que outros municípios reflitam sobre suas práticas e invistam na criação de cidades que respeitem e promovam os direitos das crianças como prioridade. “Quando colocamos como eixo principal a escuta e a participação, com o reforço na autonomia e o direito à educação, saúde e à cultura, todos esses fatores são importantes no decreto e fizemos questão de que essas fossem as políticas norteadoras da infância na cidade”, diz Peroni. “Como bem diz a Declaração dos Direitos, toda criança tem o direito de ser ouvida e participar quando as coisas dizem respeito à vida dela. Essa é a grande contribuição que Jundiaí dá e, com isso, a gente demonstra o quanto essa declaração é importante para a cidade”, completa.
