O Legislativo paulista e a saúde pública no Estado ao longo da história: Gripe Espanhola

A pandemia do novo coronavírus afetou profundamente a vida de todos os paulistas. No entanto, essa não é a primeira vez que a população do Estado se viu obrigada a mudar sua rotina por causa de uma doença. Para lembrar o enfrentamento de doenças como gripe, meningite e febre amarela, iniciamos hoje uma série de publicações especiais sobre a Assembleia Legislativa e a saúde pública em São Paulo. Essa visita ao passado pode ajuda na compreensão do atual desafio, além de ser um importante instrumento para o planejamento de um futuro melhor.

Gripe Espanhola

Nas primeiras décadas do século XX, São Paulo se firmou como o mais dinâmico centro comercial, industrial e financeiro do Brasil, fato que atraiu imigrantes estrangeiros de diversos países que enxergaram no Estado novas oportunidades de trabalho. Na capital, antigas chácaras eram loteadas e a área urbana se expandia continuamente. O censo demográfico da época registrou um período de crescimento vertiginoso para a cidade de São Paulo, que atingiu 240 mil habitantes no ano 1900.

Pelo interior, a mudança também era evidente. As linhas ferroviárias se expandiam cada vez mais, ligando o Oeste Paulista, onde se produzia o café, com o porto de Santos, por onde ele era exportado. Em 14 de setembro de 1918, chega ao Brasil o navio inglês Demerara, trazendo consigo passageiros contaminados com a Gripe Espanhola, que a essa altura assolava países europeus em plena Primeira Guerra Mundial.

Por ser altamente contagiosa e não ter medicamento ou vacina específicos para o tratamento e cura, a Gripe Espanhola, como ficou conhecida, se alastrou pelas terras tupiniquins. Em São Paulo, os primeiros casos foram identificados em 16 de outubro de 1918 e os últimos em 19 de dezembro do mesmo ano. Nesse intervalo de tempo, o sistema de saúde notificou 116.777 infectados. Segundo registros oficiais, o mês de novembro foi o mais agudo da pandemia, quando 86.366 pessoas foram contaminadas, sendo 14.066 apenas entre os dias 29 e 31. Na capital, 5.331 pacientes morreram vítimas da moléstia.

Jornais da época traziam dicas de como se prevenir da epidemia reinante. Os conselhos eram bastante parecidos com os atuais para conter o avanço do novo coronavírus: lavar bem as mãos, manter os locais arejados, evitar apertos de mãos, abraços e aglomerações. À época, as autoridades paulistas determinaram a interrupção das atividades de estabelecimentos como oficinas, fábricas, teatros e instituições de ensino. As varrições em vias públicas, por exemplo, foram transferidas para o período noturno, quando havia menos gente nas ruas.

Escolas fechadas

Com as escolas fechadas, optou-se pela aprovação dos alunos ao final do ano letivo para evitar problemas na organização das aulas do ano seguinte. Na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, a epidemia motivou a suspensão das aulas em 21 de outubro de 1918, que retornaram apenas na segunda quinzena de 1919. Durante o surto da gripe, 40 deputados com mandatos de três anos e 20 senadores com mandato de seis anos compunham a Câmara dos Deputados e o Senado Estadual que, juntos, formavam o Congresso Estadual.

Com sede na Praça João Mendes, na região central da cidade de São Paulo, o Legislativo paulista teve um papel fundamental no combate à pandemia. Em outubro de 1918, assim que surgiram os primeiros casos da doença no Estado, foi aprovada a Lei 1.605 que autorizou o então governador Altino Arantes a abrir créditos suplementares para custear as despesas necessárias para conter o avanço da gripe. A medida permitiu que as secretarias estaduais tivessem recursos suficientes para manter a prestação de serviços públicos e prestar socorro à população afetada.

Auxílio financeiro e adiamento das eleições

Dois meses depois, a Lei 1.639 flexibilizou o orçamento daquele ano para que a Secretaria Estadual da Fazenda pudesse gastar além do que foi previsto. O Estado ganhava, assim, mais um auxílio financeiro importante no momento de crise. Durante a existência do Congresso Estadual, os eleitores iam até prédios públicos votar em seus candidatos. Depois de eleitos, os parlamentares tomavam posse em Plenário. Para evitar aglomerações e, assim, diminuir o contágio da gripe espanhola, os congressistas mudaram a data da eleição que deveria acontecer no início do ano seguinte.

Em dezembro de 1918, após a epidemia ter castigado São Paulo por três meses seguidos, foi aprovada a Lei 1.625. A nova norma determinava que a escolha dos novos deputados e de um terço do senado seria realizada em 26 de abril de 1919, e não mais em 2 de fevereiro. Passada a fase mais aguda da moléstia, com a redução significativa no número de pessoas infectadas e a população voltando gradualmente à rotina pré-pandemia, alguns parlamentares apresentaram propostas para reconhecer aqueles que ajudaram no combate.

O senador Antônio Martins Fontes Júnior protocolou o Projeto de Lei 8/1918. Pela proposta, todos os funcionários do Serviço Sanitário que atuaram durante a epidemia teriam o acrescimento de um ano de trabalho na contagem do tempo de aposentadoria. Já os deputados Alcântara Machado e José Roberto Leite Penteado apresentaram, juntos, o Requerimento 10/1918, em que propunham votos de aplauso ao governo do Estado, prefeitos, médicos, associações e indivíduos que participaram do enfrentamento à Gripe Espanhola e prestaram socorro aos doentes.

O mesmo pedido também previa votos de pesar pela morte de médicos e enfermeiros que faleceram vítimas da doença enquanto ajudavam os infectados. Além dos profissionais de saúde que morreram no cumprimento do seu dever, a gripe também vitimou personalidades conhecidas. Eleito presidente da República pela segunda vez, Francisco de Paula Rodrigues Alves faleceu vítima da gripe espanhola antes de assumir seu mandato.

Anteriormente, Rodrigues Alves já havia sido presidente da província de São Paulo, durante o império, e senador e governador do Estado depois da proclamação da República. Nas próximas publicações, falaremos sobre a atuação da Assembleia Legislativa durante surtos de doenças que abalaram a saúde pública no Estado de São Paulo.

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