*Sérgio Ciquera Rossi
Tenho a sensação, pelo menos no que me diz respeito, de que certas regras legais passam desapercebidas quando de sua aprovação, para só emergirem no momento de sua aplicação, oportunidade em que são medidas sua real extensão e consequências. Caso recente, pelo menos na minha percepção, concentra-se nas alterações, dentre outras, promovidas pela Lei Federal nº 173, de 2020, no artigo 21 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
A partir daí, as novidades contidas em quatro incisos, duas alíneas e dois parágrafos. O inciso III diz que é nulo de pleno direito aquele ato “de que resulte aumento de despesa de pessoal que preveja parcelas a serem implementadas em períodos posteriores ao final do mandato do titular de Poder ou órgão referido no art. 20”. A leitura mais apressada levaria à conclusão de que qualquer concessão conferida de forma a resultar em aumento de despesa seria objeto de cessação. Isso seria lógico ou razoável? A meu ver, não!
A concessão cessaria acaso houvesse aumento de despesa que implicasse na imediata recondução aos limites previstos na Lei. Isso porque a nova lei diz que é nulo de pleno direito o aumento de despesa, inclusive no período de recondução – ou seja, haveria de se encontrar uma fórmula daquelas previstas no artigo 169 ou na LRF na acomodação dos limites previstos. Tenha-se presente que a medição da despesa de pessoal não se faz no valor nominal da folha e, sim, sobre a equação econômico-financeira entre receita e despesa.
Essa vedação materializa-se com o aumento da despesa nos 180 dias finais do mandato do titular do Poder Executivo, o que não é novidade. Isso significa que nenhum outro Poder ou Órgão poderá dar causa a aumento de despesas de pessoal nos 180 dias anteriores ao final do mandato do Governador ou do Prefeito, tampouco aumentar a despesas que “preveja parcelas a serem implementadas em períodos posteriores ao final do mandato do Chefe do Executivo (do Governador ou do Prefeito em última análise)”.
Essas restrições, como preceituam o § 1º do artigo 21, aplicam-se, inclusive, “durante o período de recondução ou reeleição para o cargo de titular do Poder, Governador e Prefeito, ou órgão autônomo”. Proíbe-se com isso, a transferência de compromissos que onerem orçamentos de mandatos posteriores. Interessante que essas vedações são muito mais severas do que aquelas contidas nos incisos I a IX do artigo 8ª da mesma Lei nº 173, de 2020. Porque aquelas têm tempo certo de duração, ou seja, até 31 de dezembro de 2021, enquanto as outras instalaram-se de modo permanente, o que cria consideráveis obstáculos a quaisquer ações de revisões de políticas remuneratórias de servidores.
Antes a não recondução das despesas aos limites desaguavam nas proibições do § 3º do mesmo artigo 23. Agora, a extensão conferida à nulidade de pleno direito aos causadores do aumento das despesas pode ensejar, sim, a meu ver, processos de apuração de responsabilidade e até improbidade administrativa, que, convenhamos, não é cenário nada confortável aos ordenadores de despesas. Desse modo, pode-se concluir que só há um caminho a trilhar e que consistirá no exato e adequado planejamento da Gestão Governamental tão almejado pela LRF, de modo que se mantenha equilibrada receita e despesa, sem o que não haverá luz no caminho, a menos que a arrecadação em algum tempo volte a crescer de modo consistente, que mantenha o percentual de gastos de pessoal abaixo dos limites previstos na Lei.
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