* Thiago Pinheiro Lima – Procurador-Geral do Ministério Público de Contas junto ao Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCESP)
É preciso relembrar às autoridades de Brasília que o pacto federativo ainda está vigente e que uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado não tem atribuição para investigar atos políticos e administrativos de Governadores e de Prefeitos.
A autonomia política da União, dos Estados e dos municípios, além do Distrito Federal, foi resultado da descentralização promovida pela Constituição da República. A capacidade de legislar e de fiscalizar foi conferida ao Congresso Nacional, às Assembleias Legislativas e às Câmaras Municipais, de igual modo, diante do princípio da simetria reconhecido em diversas decisões do Supremo Tribunal Federal.
Além disso, não por acaso, a forma federativa foi consagrada já no primeiro artigo da Constituição como a união indissolúvel entre os três níveis de organização política, e, por se tratar de cláusula pétrea, não pode sequer ser objeto de proposta de emenda à Constituição com a finalidade de sua extinção.
O ex-ministro Paulo Brossard, no HC 71.039, afirmou que o Congresso Nacional somente pode “investigar questões relacionadas com a esfera federal de governo”, assim como as CPIs estaduais e municipais estão limitadas à competência dos Estados e municípios, respectivamente.
Admitir o contrário possibilitaria que uma Assembleia Legislativa estadual investigasse ações ou omissões da União, o que, a toda evidência, se revela descabido.
E essa discussão nem precisaria estar em pauta no debate nacional diante da regra inscrita no artigo 146, inciso 3º, do Regimento Interno do Senado, que impede expressamente a admissão de CPI sobre “matérias pertinentes aos Estados”.
A tentativa de ampliar a competência da CPI do Senado para investigar Estados e municípios, ainda que limitada aos recursos transferidos pela União, será inválida porque não há dispositivo na Constituição que autorize tal ressalva ao princípio federativo.
E a hipótese atribuída ao Tribunal de Contas da União para fiscalizar repasses federais feitos mediante convênio, acordo ou ajuste é exceção, e, assim, deve ser interpretada restritivamente para o exercício daquela específica função atribuída à Corte de Contas.
Além disso, ainda que a tese do Senado fosse admitida, os recursos repassados pela União para o enfrentamento da pandemia são “receitas originárias dos entes subnacionais”, conforme afirmado pela Advocacia-Geral da União em petição encaminhada ao TCU.
E mais: foram transferências obrigatórias, por imposição legal, para as contas bancárias dos fundos de participação, passando a integrar a receita corrente líquida dos Estados e municípios, como reconhecido pela nota técnica nº 21231/2020 do próprio Ministério da Economia.
Uma decisão política sem respaldo constitucional pode, mais uma vez, forçar o Supremo Tribunal Federal a interferir em assunto que deveria encontrar resposta adequada no próprio Poder Legislativo, evitando desgastes desnecessários.
A Comissão Parlamentar de Inquérito é relevante instrumento de investigação no âmbito da competência fiscalizatória e deve ser utilizada com responsabilidade, sem objetivos mesquinhos, perseguições a inimigos ou tentativa de desviar o foco do que realmente importa.
Apurar a responsabilidade pelo agravamento da pandemia no Brasil é tão relevante quanto analisar eventuais desvios ou malfeitos praticados por qualquer agente público; no entanto, é imprescindível respeitar os limites e as atribuições de cada esfera do Parlamento brasileiro.
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